E porque as pessoas sonham com a difícil e dolorosa conquista das mais altas montanhas do mundo
Três da manhã e era impossível fechar os olhos. Encapsulada em um saco de dormir, vigiava a mudança feroz da paisagem. Da janela de um abrigo, na aldeia de Ghorepani, no Nepal, vi a lua encher e jogar um ar frio e prateado sobre as nuvens.
Logo abaixo, o cume triangular do Annapurna South brilhou ressaltando as sombras da floresta ao redor.
O vento abriu o horizonte para revelar a ponta afiada de alguns dos mais altos picos do mundo desprendendo um longo fio de neve seca. Lá estavam o Nilgiri, o Annapurna Fang e o Dhaulagiri, com seus 7, 8, quase 9 mil metros de altura, deixando rastros iluminados pelo céu do Himalaia.
Debrucei, ajeitei-me no saco de dormir e prestei atenção e reverência aos velozes movimentos externos. Pensei nas mulheres e nos homens que estariam dormindo na base daquelas montanhas, preparando-se para conquistá-las em dias subsequentes.
– Para quê?
Protegi as orelhas do frio e tentei entender a razão de ato tão heroico, mas para mim, vazio de significado.
A vista mais bonita do Himalaia acontece a partir dos vales em direção aos picos, e não o contrário
O que buscariam aqueles homens e mulheres? Glória? Reconhecimento? Desafio pessoal? Os argumentos se esvaiam no instante em que eu tentava imaginar o inimaginável esforço despendido. Comparei-o à minha rotina de então. Há seis dias vivia de atravessar incessantes vales e montanhas do parque nacional do Annapurna, subindo e descendo trilhas com uma mochila pesada nas costas.
Um trekking já era um esforço bastante razoável e aquilo me bastava. Eu testava os meus limites sem ultrapassá-los. A caminhada era difícil, mas a felicidade e a comunhão com o cenário do Himalaia valiam o empenho. Mais seria sofrimento, o que não combina com as alegrias que as viagens devem proporcionar. Além disso, porque subir 8.000 metros, se a vista mais bonita do Himalaia acontece justamente a partir dos vales em direção aos picos, e não o contrário?
Quatro da manhã e Cho-Cho, o guia do trekking gritou do lado de fora do abrigo, chamando-nos para atacar uma subida de 2 horas para, de uma altura de 5.500 metros, vermos o sol nascer.
Mesmo com a luz da lua e uma lanterninha de cabeça, caminhar na escuridão não era, definitivamente, uma atividade que me desse prazer, o que, em uma viagem é tudo, ou quase. Entretanto, mais 2 dias e começaria a descer das montanhas. A aventura chegaria ao fim e por isso, precisava dar o máximo de mim para aproveitar o fim já anunciado da viagem. Afinal, depois, tudo viraria história.
Pensei de novo nos homens e nas mulheres despertando nos acampamentos base das altas montanhas. Quem sabe, com mais 2 dias de caminhada pudesse finalmente enxergar o que eles procuravam alcançar…
Aceitei o chamado do meu guia. Levantei-me, troquei de roupa, mas recusei seguir montanha acima. Sentei na madrugada gelada, na aldeia de um vale do Nepal e esperei ali pelo nascer do sol.