Na Music City, direitos civis e emblemáticas atrações se combinam com harmonia
Diário de Viagem, 8 de outubro de 2018
Na Trilha dos Direitos Civis me despedi ontem de Memphis, peguei a estrada e, 350 km mais tarde, cheguei à Cidade da Música. Alguém sabe de qual cidade estou falando?
Estou na colorida, alegre, diversificada e super musical Nashville. Ela é tudo aquilo que a gente vê nos filmes que contam a história da música country, do rock e dos artistas que encarnaram o espírito da Music City.
Aqui em Nashville música e direitos civis se misturam com harmonia.
Ao entrar na cidade, segui direto para a Fisk University, a mais antiga da cidade. Ela foi fundada em meados do século 19 para receber os estudantes afro-americanos. Desde sempre seus professores e alunos se destacam entre os personagens que apoiaram e lutaram no movimento pelos direitos civis.
Tão famosa quanto a universidade é o Fisk Jubilee Singers, um grupo vocal formado por afro-americanos. Para você ter a ideia da importância histórica e cívica deste grupo, a 1ª turnê musical do mundo foi feita pelos Fisk Jubilee Singers. O objetivo, na época, era arrecadar dinheiro para educar os escravos libertados após o fim da Guerra Civil dos Estados Unidos.
A Rainha da Inglaterra cunhou o termo Music City
O nome Music City, dado a cidade de Nashville, surgiu justamente por causa desta 1ª turnê mundial. Ao se apresentarem para a Rainha da Inglaterra, a soberana comentou que eles cantavam tão bem que certamente deviam ter vindo de uma Cidade da Música.
E é neste ritmo, sempre com um ótimo fundo musical, que a gente vai percorrer a Trilha dos Direitos Civis em Nashville.
Surpresa durante visita ao Civil Rights Room Public Library
A cada dia que passa, o trajeto pela Trilha dos Direitos Civis ganha profundidade histórica e a emoção começa a aflorar pelos lugares onde passo, muitas vezes me pegando de surpresa. Foi o que aconteceu quando visitei a Ala dos Direitos Civis da Biblioteca Pública de Nashville.
A assessora de comunicação da biblioteca iria me apresentar o local, mas por um problema de agenda não conseguiu estar presente. E foi aí que eu me encontrei com o Sr. Beasley. Ele me viu tentando achar o caminho até a Ala dos Direitos Civis, me conduziu até o local e se tornou o meu guia.
A ala tem decoração neoclássica, circunspecta e nobre, como o assunto que aborda. Logo acima das colunas jônicas da entrada, uma frase proferida em 1961 pelo então ativista e hoje o respeitado político John Robert Lewis dá o tom do que será visto.
If not us, then who? If not now, then when? (Se não nós, então quem? Se não agora, então quando?)
John Robert Lewis – Líder no Movimento dos Direitos Civis e Político norte-americano
Entramos. O Sr. Beasley me mostrou cada um dos ambientes, cada foto nas paredes, cada livro de destaque nas dezenas de estantes, como se estivesse me mostrando sua casa, com o orgulho de quem a construiu.
O Sr. Beasley apontava para uma parede de vidro e dizia:
– “Leia”, e lá estava uma frase de Martin Luther King Jr.: “Eu vim a Nashville, não para trazer, mas para buscar inspiração no grande movimento que acontece nesta comunidade”.
– “Você tem de assistir este filme”, dizia o Sr. Beasley, apontando para uma das várias telas de TV do lugar. “Esse também. Veja esta foto!” E contava a história da imagem. “E sabe esta?” E me contava a história por trás da imagem.
Ficamos ali, juntos, conversando, trocando ideias. O Sr. Beasley, Johnny Beasley, era o porteiro da Biblioteca Pública de Nashville. E poucos guias, foram tão sensacionais como ele.
O Country Music Hall of Fame faz todo visitante virar fã
A Meca da country music está em Nashville. É o Country Music Hall of Fame, um dos cartões postais, não do Tennessee, mas dos Estados Unidos. Já de longe, a grandiosidade do projeto chama a atenção. É música transformada em monumento arquitetônico. A plasticidade cheia de ritmo e equilíbrio, as curvas elegantes e o padrão das enormes fileiras de vitrais transformam o prédio em um teclado grandioso, que parece dançar diante dos olhares admirados dos visitantes.
Em seu interior, até visitantes como eu, que não acompanham a história da country music podem entender, na prática, o sentido da palavra frenesi. Qualquer viajante pode ter esta experiência.
Basta caminhar acompanhando as vitrines que expõem brilhantes instrumentos musicais + figurinos de todas as cores e estilos + álbuns consagrados + discos de ouro e platina + todo tipo de prêmios e troféus + memorabilia + objetos pessoais dos mais famosos cantores e cantoras do gênero. Ao final do tour você já é um fã.
Entre os destaques do museu está a limousine de Elvis Presley e o carrão customizado do cantor Webb Pierce. As pessoas fazem fila para admirar os veículos.
A visita ao Country Music Hall of Fame inclui um tour guiado ao Estúdio B da gravadora RCA e saímos do prédio conduzidos pela guia que embarcou conosco em um ônibus até o famoso estúdio.
O Estúdio B da RCA e os Direitos Civis
Nashville apresenta um equilíbrio perfeito dentro da Civil Rights Trail. A Cidade da Música inclui temas ligados aos Direitos Civis em muitas das suas principais atrações turísticas. Foi assim no Estúdio B da gravadora RCA, onde Elvis Presley, Roy Orbison e tantos outros cantores gravaram centenas de discos.
É espetacular você entrar no estúdio e ouvir gravações originais feitas por Elvis Presley. O Rei começa a cantar, erra, começa de novo, erra novamente, faz brincadeiras e tenta arranjos diferentes. E os guias, no meu caso a guia, inserem o período da luta pelos Direitos Civis nas histórias do estúdios.
Almoço histórico no Woolworth on 5th
Eu almocei em outra das imperdíveis atrações da cidade. Foi no restaurante Woolworth on 5th. A casa pertencia a uma das grandes lojas de departamento dos Estados Unidos e foi cenário, nos anos 1960, dos chamados sit-ins.
Este é o nome de uma forma não violenta de protesto que consiste em sentar e permanecer. No caso do restaurante Woolworth, brancos e afro-americanos sentavam nas cadeiras da lanchonete da casa e ali permaneciam pedindo igualdade no serviço e no atendimento para todos.
Imagens da luta pelos Direitos Civis no Frist Art Museum
Uma das alas deste belo e circunspecto museu exibia uma exposição de fotos relacionadas a luta pelos Direitos Civis. Datadas do período compreendido entre 1957 e 1968, as fotos foram publicadas, nesta época, nos jornais e revistas de Nashville.
Grand Ole Opry é para fechar a viagem com bota, música e chapéu de cowboy
Minha noite terminou em outro ícone da Country Music, o mais antigo programa de auditório dos Estados Unidos, transmitido ao vivo por rádio. É o Grand Ole Opry. Eu aplaudi os artistas e, mais ainda a plateia de fãs de carteirinha.
A grande maioria do público assiste aos shows vestidas como os artistas, com botas, chapéus, camisas bordadas. A plateia sabe todas as músicas de cor, bate palmas, ri e interage com os artistas e apresentadores.
Chegou a hora de pegar a estrada mas minha vontade era de ficar (para sempre?) em Nashville.