Ricardo Bueno conta o drama de não conseguir voltar para casa no início da Pandemia do #coronavírus
Neste século, o pior momento para estar em uma viagem aconteceu há cerca de um mês, quando as fronteiras do mundo foram fechadas e os voos das principais companhias aéreas, cancelados. O drama vivido por viajantes de todo o mundo estampou as páginas dos principais jornais do planeta. Uma dessas histórias teve como personagem um grupo de 150 brasileiros, que ficaram retidos no Equador. A Reportagem Travel3 entrevistou um desses brasileiros.
Ricardo Bueno é um viajante especialista em gastronomia que compartilha suas viagens pelo Instagram @ossaboresdomundo. Como a equipe da Travel3, Ricardo e o namorado, Bernardo Ramos, saboreiam cada instante das suas viagens e seguem acumulando lembranças para toda a vida. Entretanto, nenhum dos 2 jamais poderia imaginar que uma experiência como a que viveram no Equador estaria incluída no seu roteiro. Ricardo está de quarentena, em Santos (SP), de onde conversou por telefone com a Reportagem Travel3.
Reportagem Travel3 – Ricardo, qual era o destino de vocês no Equador?
Ricardo Bueno – Nós partimos no dia 9 de março rumo às Ilhas Galápagos, muito felizes por visitar este destino maravilhoso. Enquanto estávamos em Galápagos, tudo estava correndo conforme planejamos e os dias seguiram normalmente. No dia 15, na véspera de voltarmos para o Brasil, ficamos sabendo que uma das grandes atrações de Galápagos, Las Grietas, havia sido fechada já por conta da Pandemia do Coronavírus. Naquele momento ficamos apreensivos, mas, como estávamos no último dia da viagem, pensamos que iria dar tudo certo.
O que aconteceu no dia seguinte?
No dia 16 de março, já ansiosos para voltar para o Brasil, decolamos num voo da Avianca que faria uma conexão em Quito, outra em Lima e de lá seguiria para Guarulhos (SP). Ao aterrissarmos em Quito, fomos obrigados a desembarcar e a Avianca nos informou que não poderíamos seguir viagem pois o Aeroporto de Lima já estava fechado por conta da pandemia do Coronavírus.
A verdade, porém, é que o Aeroporto de Lima ainda estava aberto. Conferimos esta informação no site oficial do Aeroporto de Lima e mesmo passando essa informação para a Avianca, fomos impedidos de seguir viagem. De nada adiantou nossas conversas e os pedidos para sermos colocados em listas de espera de outros voos.
Tentamos em vão mudar nosso voo para fazermos uma conexão em Bogotá. Soubemos depois que havia lugares disponíveis. E como realmente aconteceu, o Aeroporto de Lima só fechou no dia 17 de março.
Não teríamos tido problemas, já que o nosso voo estava marcado para decolar da capital peruana as 21h40 do dia 16. A Avianca simplesmente nos virou as costas.
Vocês tentaram fazer contato com a empresa que vendeu a vocês as passagens?
Sim. Compramos a nossa viagem com a Decolar mas recebemos deles uma resposta negativa. A Decolar disse que não poderia fazer nada por nós. Ainda argumentei que o aeroporto de Quito estava funcionando para saídas internacionais, mas nada adiantou. Continuamos tentando uma resposta da Decolar mas a partir daí ela deixou de nos responder.
Foi no Aeroporto Internacional de Quito que vocês se encontraram com outros brasileiros?
Exato! E eles se encontravam na mesma situação. Resolvemos então ir para um hotel e a partir daí passamos a pagar tudo do nosso próprio bolso. Foi assim durante praticamente 2 semanas, sem qualquer apoio da companhia aérea, do site onde fizemos as reservas ou do governo.
E qual era a situação em Quito?
No dia seguinte, 17 de março, fomos à embaixada do Brasil que prometeu fazer contato com o Itamaraty. Nesse mesmo dia, o governo do Equador decretou Estado de Exceção, com toque de recolher em todo o país. A insegurança passou a tomar conta das ruas, enquanto nosso grupo só aumentava. De repente já éramos cerca de 150 brasileiros, impedidos de voltar para suas casas.
Uma equipe de paratletas integrava nosso grupo e eles começaram a dar várias entrevistas para canais e meios de comunicação, no Brasil. Nossos seguidores, no Instagram, passaram a marcar o Itamaraty nas nossas postagens. Por fim, o Itamaraty nos comunicou que éramos uma prioridade para eles. Comemoramos, todos, mas muitos dias ainda se passaram até deixarmos Quito, o que aconteceu apenas no dia 30 de março.
Enquanto isso, como era a rotina de vocês, na capital do Equador?
Só podíamos sair entre 5 da manhã e 2 da tarde, assim mesmo, só para ir ao supermercado e à farmácia. Para transitar pela cidade precisávamos usar máscaras e luvas. Ao entrar na farmácia ou no supermercado, tínhamos que passar álcool em gel nas mãos e pisar numa solução para desinfetar o solado dos sapatos. Só era permitida a entrada de uma pessoa por vez e quando voltávamos para o hotel o procedimento de desinfetar pés e mãos era o mesmo.
Do dia para a noite começamos a viver uma situação extrema, quase paranóica. A sensação que tínhamos era a de que seríamos contaminados pelo Coronavírus a qualquer segundo de descuido. Ao mesmo tempo, com todas essas precauções, nos sentíamos seguros.
Como vocês e o grupo de brasileiros venceram essas 15 dias de ansiosa espera?
O tempo foi passando e as pessoas começaram a ficar desesperadas. O dinheiro de muitas pessoas foi acabando, assim como a medicação daqueles que faziam uso de remédios controlados. A situação foi ficando caótica e começamos a nos ajudar, uns aos outros.
A Embaixada Brasileira deu algum apoio para vocês?
A embaixada esteve em contato conosco praticamente todos os dias. Conversávamos com eles por um grupo de WhatsApp que criaram, mas eles não tinham uma posição oficial para nos dar. O que fizeram, num 1º momento, foi reunir todos os brasileiros em Quito. Os brasileiros que estavam em Galápagos, em Guayaquil, todos vieram para a capital do Equador. E tudo por conta própria. No dia 29 de março nos comunicaram que o nosso voo partiria para o Brasil no dia seguinte.
E como se deu a logística da volta ao Brasil?
Como o aviso da Embaixada Brasileira aconteceu 24 horas antes do voo, tivemos pouco tempo para organizar as malas. A franquia de bagagem disponibilizada era menor que a praticada. Foi mais uma dificuldade enfrentada pelo grupo. Então é possível imaginar todo mundo arrumando as malas rapidamente.
E a nossa saída para o aeroporto foi uma cena de filme apocalíptico. Saímos bem cedo, todos de luvas, de máscara, e nos encontramos numa praça com os demais brasileiros. Eram cerca de 150 pessoas, e tínhamos que ficar afastados pelo menos 2 metros uns dos outros. A polícia e o exército estavam à nossa volta, armados com escopetas. Tínhamos a sensação de que estávamos sendo expulsos do país, parecia que o vírus estava na gente.
Quando os ônibus contratados pela embaixada chegaram para nos levar ao aeroporto, veio o sentimento de que a volta ao Brasil realmente era uma realidade. Dentro do aeroporto estava tudo fechado. Não podíamos entrar em nenhuma loja. Embarcamos num voo da Gol, que foi direto para Guarulhos, sem conexão.
Quando chegamos em São Paulo, foi um choque ver que tudo estava aberto e funcionando normalmente. Uma pessoa nos mediu a temperatura e pronto. Não recebemos uma informação sequer, nem mesmo uma recomendação se deveríamos fazer quarentena. Nada. Estamos ainda em quarentena, e pelo o que sei, ainda conversando com os outros pelo nosso grupo de WhatsApp, felizmente ninguém apresentou nenhum sintoma de gripe.
Ricardo, qual foi o seu aprendizado nesta viagem?
Aprendi muito o valor da nossa união, como indivíduos, como cidadãos. Falar isso me deixa muito emocionado mas, se não fosse pela força e pela união do nosso grupo, talvez não tivéssemos conseguido chegar até aqui. O apoio e o calor humano de cada um ajudou a nos mantermos emocionalmente fortes. Certamente fizemos amigos para a vida inteira. Continuamos em contato, e isso foi e tem sido o melhor de tudo.
E qual conselho você dá para os nossos leitores que certamente voltarão a viajar quando vencermos, juntos, o Coronavírus?
Meu conselho é bem simples. Antes de viajar, sempre pesquise se a situação no mundo, ou naquele país, está segura o suficiente para você embarcar. A saúde e a segurança devem vir sempre em 1º lugar.
Parabéns a Travel por publicar a entrevista!!!!!O depoimento do Ricardo foi muito interessante e importante!!!Eles passaram por momentos muito difíceis!!!E poderia ter acontecido com qualquer um !!(Principalmente com quem adora viajar ,como eu)!!A união ali, fez toda a diferença!!!!Ficou um alerta com relação as empresas aéreas , que de vez em quando nos deixam na mão!!!! E também um questionamento com relação aos cuidados que o Brasil está tendo para enfrentar a pandemia!
Obrigada Simone! O trabalho da Travel3 é sempre oferecer informação de qualidade e idoneidade e neste momento estamos apoiando os viajantes e a Indústria do Turismo, mostrando todos os lados desta situação dramática mas que vai passar. Enquanto isso precisamos nos proteger e compartilhar as experiências de quem está vivendo as consequências desta Pandemia. Continue viajando conosco!