O que hoje seria inimaginável aconteceu da maneira mais espontânea possível
Mona Lisa. Fui conhecê-la logo na minha 1ª visita a Paris. Como todo marinheiro de 1ª viagem à França, sua capital e seu mais famoso museu são prioridades do roteiro. Minha visita inaugural ao Louvre aconteceu no final dos anos 1970, quando ainda era possível olhar Mona Lisa bem de perto.
O que hoje seria inimaginável, aconteceu da maneira mais espontânea possível. Ficamos ali, ela e eu, por cerca de 10 minutos, olhos nos olhos. Quanto privilégio! Quanta intimidade. Aí entrou um outro turista na sala e cedi a ele o meu lugar.
Sempre ouvira dizer que a obra-prima de Leonardo Da Vinci era sem graça.
Naquele dia, Mona Lisa me pareceu sobretudo tímida
Senti, por ela, o desconforto de ser uma pintura famosa.
Imagine… passar a eternidade sendo minuciosamente escrutinada pelos turistas e estudantes de Belas Artes. Cada craquelê, cada fio de cabelo, cada pincelada no seu rosto, estavam fadados a ser tema de alguma tese acadêmica.
Depois daquele dia retornei ao Louvre um punhado de vezes, mas nunca mais tive a privacidade daquela 1ª visita. Nunca mais olhei olhos nos olhos da Gioconda, que já havia alçado ao pódio de celebridade. Chegar até ela significa ter de enfrentar filas imensas e passei a ver apenas a pontinha da sua testa. Mona Lisa se afogava na multidão.
Decidi evitar aquela ala do museu e consequentemente o burburinho, o frisson das pessoas orbitando ao seu redor.
Porém, na minha mais recente visita ao museu francês, bateu uma saudade… e resolvi rever Mona Lisa
Novamente tive apenas um vislumbre da pequena notável de Leonardo Da Vinci, mas naquele segundo observei um sorriso enigmático no canto dos lábios. Como sempre a sala estava lotada, as pessoas espremidas, mas nenhuma delas pensava sequer em pousar um olhar mais cuidadoso sobre aquela mulher, presa à parede. A maioria estava de costas para Mona Lisa. Aquelas pessoas só queriam tirar uma selfies e ir embora – pela atitude – o mais depressa possível.
No meio daquela horda de instagrammers e influenciadores digitais, o sorriso enigmático era, na verdade, Mona Lisa tentando conter uma gargalhada.
P.S. – E aí veio a COVID-19
Agora, no final de pandemia, aquela minha mais recente visita ao Louvre parece ter acontecido há uma dezena de anos. E durante esses meses em que a humanidade ficou em “cativeiro”, tive tempo sobra para pensar e até divagar. Numa dessas viagens mentais, imaginei a Mona Lisa tirando férias do público, no silêncio da sua ultra-segura galeria. Tenho certeza de que ela finalmente estampou um largo sorriso e relaxou. Entretanto, depois de quase um ano e meio de reclusão, acredito que ela está pronta para voltar a ser vista e celebrada de novo. Saudades de você, Mona!