A noite em que, pela primeira e única vez, eu desfrutei de um voo que posso chamar de perfeito
Recordar é conseqüência óbvia de qualquer viagem, mas existem momentos que, de tão especiais, deixam de ser simples memória e passam definitivamente a ser uma experiência essencial. Um desses momentos, ganhei de presente durante uma viagem à Nova York. Foi quando, pela primeira e única vez, desfrutei de um voo que posso chamar de perfeito – e isso nada tem a ver com o serviço de bordo.
A lua cheia e brilhante estava estampada ali, grande, redonda, irrepreensível. Explodindo bem no canto da janela do avião, deixava o seu rastro refletido sobre a superfície do mar escuro, da mesma cor do céu. Toda a paisagem estava sob um tom celestial e monocromático, quebrado apenas por uma faixa de luz prateada, resplandecendo sobre a água, norteando o caminho. Em algum lugar do céu, sobrevoando o Oceano Atlântico, lá estávamos nós. Trezentas pessoas suspensas a 10 mil metros de altura, a maioria dormindo, e nenhuma nuvem para nos privar da visão daquele céu, daquele mar, daquela cena encantada. Era como se tivéssemos entrado em um outro mundo.
Sobrevoando o Oceano Atlântico eu vislumbrei a harmonia do universo
Num momento assim, só existe a certeza de que harmonia e universo são palavras que andam juntas. Numa noite limpa e clara, de lua cheia, sobrevoando o Oceano Atlântico dentro de um avião que mais parecia flutuar – tapete mágico – nem é preciso fechar os olhos para acreditar em anjos. Basta olhar através da janela e sentir o grande mistério que há em viver. Toda a beleza do mundo ali, naquele instante.
A textura prata-ondulada do mar me guiava. Lembrei dos navegadores e viajantes solitários. Imaginei como estariam, conduzidos pela própria solidão, vivendo o espetáculo que transcorria naquela noite tão especial. Foi quando vi um ponto luminoso no mar. Um navio! Um único ponto navegando, brilhando e dizendo oi para mim, que pairava a 10 mil metros de altura. Sintonizados na mesma emoção, qualquer um que estivesse acordado, olhando para aquela noite, estaria sentindo o que antes, eu, julgava ser só meu.
De repente, mais um ponto luminoso, e outro, e mais outro. Num instante, o oceano ficou todo estrelado. Meu horizonte havia se invertido como se, num rompante juvenil, o comandante tivesse resolvido brindar a todos nós com uma acrobacia aérea, colocando-nos a voar de ponta cabeça. Ah… numa madrugada como aquela, tudo podia acontecer.
Nisso, uma voz anunciou: estamos chegando a Nova York. Junto com o aviso, uma névoa cobriu o mundo. O sol já estava nascendo, a lua ainda enchia o céu quando o avião desceu das nuvens e a metrópole internacional surgiu gigantesca, magnificamente iluminada, aos nossos pés. Eu jamais irei me esquecer deste voo.