Quando meu dia começou, não imaginei que a maior de todas as minhas emoções seriam tão pequeninas
Pantanal é um cartão-postal que o mundo inteiro conhece. A maior parte dos guias de viagem apresenta seus cenários em um dos seus melhores ângulos. Ele surge no momento do pôr-do-sol quando, no coração da natureza, o céu ganha cores incendiárias e fica salpicado de pássaros voando em direção aos ninhais. Um espetáculo tão emocionante quanto o que assisti, ontem, por aqui.
Este não foi o meu 1º e, espero, não será o último entardecer que admiro, em terras pantaneiras. Mas quando meu dia começou, não imaginei que a maior de todas as emoções seriam tão pequeninas.
Depois de um café da manhã típico, saí para uma cavalgada. Esperando lá fora estavam animais de espécies tão exóticas quando a sonoridade de seus nomes. Revoadas de Curicacas, Garças Maguarys e periquitos vestindo o tom de verde mais bonito que já vi, enchiam os céus de cantos e plumagens coloridas. Jacarés surgiam em poses diversas. Dormingo, caçando, esquentando sob o sol com o bocarrão escancarado, ou em pleno mergulho, eram os senhores do rio. Estendi minha cavalgada para além das margens. Cruzei com capivaras, tamanduás-bandeira, veados-campeiros, cervos do pantanal e até porcos selvagens. Estava me sentindo uma autêntica pantaneira.
Hora de trocar os cavalos por uma caminhada. Seríamos só nós, o guia, o Pantanal e eu. A intimidade com a natureza me ofereceu a visão de tucanos com bicos brilhantes, araras azuis com poses majestosas e quatis desconfiados. Por todos os cantos, lá estavam os tuiuiús, a ave que é o símbolo do Pantanal.
Atravessamos ilhas de mata fechada e pela 1ª vez entendi o que é perder a noção se era dia ou noite, sob a escuridão das altas copas das árvores e suas densas folhagens a bloquearem a entrada de qualquer raio de luz. Em alguns momentos de muita penumbra, até o canto dos pássaros cessava e tudo que ouvíamos eram nossos passos sobre as folhas secas. Com a respiração suspensa, gostava de imaginar o que eventualmente poderia estar causando tanto silêncio. Uma onça pintada, um lobo a nos espreitar? Talvez fosse o medo que a natureza tinha de nós, os maiores predadores de todos os tempos.
De um mirante aplaudi um traço de luz do fim de tarde que já riscava de vermelho toda a extensão da estrada, avisando que daqui a pouco começaria um dos maiores espetáculos do Pantanal. Foi aí que, já preparada para reverenciar a partida do sol, notei que alguma coisa se movimentava pelas minhas pernas. Focada na situação, percebi que não era algo mais sim uma porção de coisas!
Levantei as calças, abaixei as meias e vi! Um exército indomável de vorazes pontinhos pretos, dezenas de vezes menores que a cabeça de um pequeno alfinete, marchava decidido a conquistar o território em questão: eu!
Um pelotão havia tomado, com sucesso, a região dos meus tornozelos e já começava a repartir os espólios de guerra, cravando-me os ferrões e mandando ver. Abrindo novas frentes em direção ao norte, uma outra divisão dava prosseguimento a um plano estratégico e secreto, que meu guia desvendou:
– Esses são micuins, filhotes de carrapatos, muito mais vorazes que um carrapato adulto. E você está com muitos subindo pelas pernas, agora. Vamos rápido para a fazenda e basta um bom banho quente e uma boa esfregada para tirar tudo isso que está em você.
A caminhada acabou nesse momento. O guia chamou um carro que nos encontrou no meio do caminho para a fazenda. Já estava a bordo quando aconteceu o pôr-do-sol. Tive a impressão de que até aqueles terríveis insetos (ou seriam parasitas?) pararam sua ofensiva para me deixar contemplá-lo.
Poucos lugares no mundo conseguem produzir uma combinação de cores e luzes tão magníficas quanto os céus pantaneiros. De repente, o universo havia se reduzido apenas àquele lugar, no interior do Brasil. E nada mais importava.
Assim que o sol foi embora pedi para o motorista pisar no acelerador. Até os joelhos, minhas pernas eram pura coceira. O carro parou e saí correndo em direção ao meu quarto. Entrei e tirei minha roupa, ali, rente à porta. Fiz uma avaliação da minha situação. Corri para o chuveiro. Agora era a minha vez. Iniciei meu contra-ataque. Meus aliados eram uma potente ducha de água fervendo + sabão + esfregão + muita espuma.
Ao final, consegui sobreviver. Mais ainda, ganhei a guerra contra os micuins. Era hora do jantar e, já livre dos micuins, mas com uma coceira ardente me lembrando do estrago que eles fizeram, fui convidada a fazer um passeio de canoa. Depois daquela micro aventura que acabara de vivenciar, recusei o convite. Decidi, literalmente, não arriscar minha pele, pelo menos naquela noite.