Ouça a música, leia os livros conheça a visão de grandes artistas sobre a nossa brasilidade
Que país é esse? Em se tratando de Brasil, essa é uma pergunta que para alguns pode ser difícil, para outros, capciosa e para muitos, impossível de responder.
Escritores, artistas e viajantes de primeira grandeza já tentaram decifrar a charada, mas talvez tenha sido Tom Jobim quem mais se aproximou de cometer a resposta correta: O Brasil não é para principiantes.
Vale a pena conhecer as impressões da poeta norte-americana Elizabeth Bishop, da filósofa e escritora francesa Simone de Beauvoir, do também francês, o antropólogo Claude Lévi-Strauss. E é claro que é imprescindível saber o que os nossos brasileiríssimos Cecília Meireles e Caetano Veloso pensam sobre o país do futebol. Ouça a música, leia os livros e responda, você também, a pergunta de um milhão de respostas.
Rio, domingo de manhã, 24 de maio de 1953
(…) A coisa mais interessante que vi na viagem ontem foi um homem tentando vender mamões à margem da estrada. Ele pendurou-os com um barbante, como se num pequeno varal, e sentou-se ao lado deles, no chão; cada vez que passava um carro ele levava à boca uma velha corneta, dava um toque de corneta e apontava, com um gesto majestoso, para a fileira de frutas grandes, pesadas, amarelas. Acho que são todos meio malucos às vezes (o comentário óbvio sobre os brasileiros). Paramos para comprar laranjas por volta das oito da manhã, e enquanto fazíamos a compra o homem pôs um disco numa velha vitrola de corda que havia instalado numa vala.
Trecho do livro Uma Arte – As Cartas de Elizabeth Bishop, Editora Companhia das Letras
Brasília, 23 de setembro de 1960
Estou em Brasília, a mais demente lucubração que o cérebro humano jamais concebeu, no caso, o de Juscelino Kubitschek, com quem estive na manhã de hoje. Notáveis arquitetos o seguiram, e alguns deles conseguiram imaginar criações de primeira ordem, insólitas e harmoniosas, mas que loucura erguer uma cidade tão artificial no meio de um deserto! (…) Algo de notável foi que os operários que foram trazidos para trabalhar aqui começaram construindo a sua própria cidade, algumas milhas afastada daqui. (…) O lugar transborda poeira e vida; gostei muito de andar por lá e tomar uns tragos em cafés minúsculos. Mas vou deixar Brasília com o maior prazer – esta cidade jamais terá alma, coração, carne ou sangue.
Trecho do livro Cartas a Nelson Algren – Um Amor Transatlântico 1947-1964, Simone de Beauvoir, Editora Nova Fronteira
São Paulo, 1º de setembro de 1964
O Brasil começa a pensar em turismo, e o pouco turismo que se tem procurado fazer no Brasil obrigatoriamente inclui a cidade de Ouro Preto. Não seria, pois, compreensível que, ao incentivar-se o turismo, não se desse à maravilhosa cidade a assistência de que ela carece para continuar a existir. (…) Precisamos salvar Ouro Preto de qualquer maneira. Que os ônibus e caminhões compreendam que aquilo é terra sagrada, que não se pode estremecer assim impunemente. E que venham os engenheiros e todos os que são conhecedores e sabedores, mas sobretudo capazes de amor, e façam seus planos, e ensinem e trabalhem, e restituam a Ouro Preto a certeza de sua continuação.
Trecho do livro Crônicas de Viagem 3, de Cecília Meireles, Editora Nova Fronteira
Salvador, em meados da década de 30
INCLUI FOTO: Livro Tristes Trópicos
(…) “Tira o retrato! Tira o retrato!” Ao final, comovido por mendicância tão gratuita – uma fotografia que jamais veriam, em vez de alguns tostões –, aceito bater uma chapa para contentar as crianças. Não ando cem metros e a mão de alguém se abate sobre meu ombro; dois inspetores à paisana, que me seguiram passo a passo desde o início do meu passeio, informam-me que acabo de cometer um ato hostil ao Brasil: essa fotografia, utilizada na Europa, podendo talvez dar crédito à lenda de que há brasileiros de pele negra e de que os meninos de Salvador andam descalços. Sou detido, por pouco tempo, felizmente, pois o navio vai partir.
Trecho do livro Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, editora Companhia das Letras
Um dia qualquer no Brasil, no ano de 1989
O pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara / O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela / A Baía de Guanabara / O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a Baía de Guanabara: / Pareceu-lhe uma boca banguela. / E eu menos a conhecera mais a amara? / Sou cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela / O que é uma coisa bela?
Trecho da música Estrangeiro, de Caetano Veloso, do CD Estrangeiro, Gravadora Polygram