Exuberante, a capital cultural do país preserva a riqueza e a opulência dos czares
Rica, bonita e transbordando exotismo, todo viajante mereceria pelo menos uma vez na vida aterrissar em São Petersburgo. De preferência ele pousaria bem ali, no centro da Praça do Palácio, em frente ao seu símbolo maior – o museu do Hermitage. Como pousar no coração de São Petersburgo é mais um sonho do que uma possibilidade, os muitos viajantes e as dezenas de milhares de turistas planejam chegar até ela de todas as outras maneiras possíveis – por terra, ar ou mar – para realizar o sonho de conhecer um centro urbano que foi concebido para ser uma obra prima.
São Petersburgo, ela própria, é o sonho realizado de Pedro I, czar russo que em 1712 ordenou a mudança da capital, de Moscou, para uma das regiões mais inóspitas do continente. De frente para o mar Báltico, desprotegidos do vento e frio cortante, os súditos convocados pela coroa construíram um império no meio dos pântanos. Dragas revolveram o solo, canais foram abertos terreno afora e palácios terminaram erguidos às custas de milhares de vidas. O número de operários mortos foi tão grande que São Petersburgo acabou conhecida como a cidade construída sobre ossos.
Tamanha obstinação não poderia passar incólume às críticas. Na fortaleza de Pedro e Paulo, Marco Zero da cidade, uma estátua presta uma singular homenagem à Pedro, o Grande. Sentado em um trono, ela exibe uma minúscula cabeça, desproporcional para um corpo tão imponente. A estátua simboliza um contraponto aos atos corajosos e certamente despóticos do czar, ao resolver criar ali a sua cidade: só alguém com uma cabeça tão pequena poderia levar adiante tal ideia.
Pouco mais de 300 anos passados sob muitas guerras e adversidades serviram para mostrar que resistência e coragem certamente estão no DNA de São Petersburgo.

Uma cidade com muitos nomes
São Petersburgo nasceu e foi com este nome batizada em 1703, a partir da construção da fortaleza de Pedro e Paulo. Em 1914, durante a Primeira Grande Guerra, o auge do patriotismo e do sentimento anti-germânico, alterou seu nome para Petrogrado. O sufixo burgo, de origem alemã, remetia aos inimigos de batalha. Melhor seria usar outro sufixo; no caso, grad, que significa cidade, em russo.
Em 1924 ela foi rebatizada. Com a morte do herói da revolução Russa, Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido com Lênin, a então Petrogrado passou a ser chamada Leningrado. Finalmente, em 1991 São Petersburgo passou a ostentar seu nome de nascença.
Com 4.6 milhões de habitantes, ela se estende às margens do mar Báltico, no delta do rio Neva (pronuncia-se Nievá), golfo da Finlândia. Cortada por vários canais, acabou ganhando o apelido de Veneza do Norte, graças à beleza e estética do seu conjunto urbano, primoroso.
No dia à dia, ela é carinhosamente chamada de Peter, por seus habitantes. Mas entre tantas obras da literatura que a descrevem, uma frase assim a define: Glória, seu nome é São Petersburgo.
Para começar a conhecer São Petersburgo, uma boa sugestão é fazer um city tour que oferecerá uma visão geral. A partir daí nada como andar, andar, e andar. O transporte público é eficiente e o metrô funciona. Uma passagem de ônibus e/ou metrô custa menos de um Euro e é mais fácil e divertido do que pegar um táxi.

Reino das artes e dos artistas
De certa forma, Pedro I conseguiu o que almejava: esta cidade se transformou num porto, e não apenas literalmente; metafisicamente também. Não existe nenhum outro lugar na Rússia em que os pensamentos se afastam com tanta facilidade da realidade: foi com o surgimento de São Petersburgo, que a literatura russa passou a existir.
O parágrafo acima, extraído da coletânea de ensaios Menos Que Um, do escritor russo e ganhador do prêmio Nobel de literatura, Joseph Brodsky, apresenta sua cidade natal como conceitual e essencial para as artes na Rússia. Certamente Pedro, o Grande, desejou tornar São Petersburgo o centro da razão, das ciências, da educação e do conhecimento e hoje é impossível não associar nomes como Dostoievski e Tchekhov, ou ainda Vladimir Nabokov e Alexander Pushkin à bela metrópole.
São Petersburgo é berço de escritores e artistas. A explicação talvez esteja no conjunto de estonteantes atrações que serviu de inspiração para cada um deles. As esquinas, monumentos, parques e até as curvas do rio Neva, além da beleza, evocam significados bem particulares, a espera de serem decifrados.

Os fãs das artes e dos artistas precisam passar vários dias em São Petersburgo
Os fãs da arte e dos artistas russos precisam de vários dias em Peter, para conhecer, por exemplo, o museu Russo. Localizado no palácio Mickhailovsky (número 4 da rua Inzhenernaya) é um dos mais ricos do país. Seu acervo inclui pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e arte decorativa feitas por mestres russos.
Enquanto isso, o museu do maior poeta da nação, Alexander Pushkin, está no número 12 da Naberezhnaia Reki Moiki. O visitante pode percorrer o interior da casa onde, depois de um duelo travado em 1837, o autor romântico morreu.
Já a história de Fiodor Dostoevsky espalha-se por toda Peter e termina na esquina das ruas Kuznechny e Yamskaya. É nesta conjunção que está localizado o Dostoevsky Museum. Foi para este prédio que ele se mudou, com a família, no final de 1878 e lá permaneceu até morrer, em 28 de janeiro de 1881. A novela Os Irmãos Karamazov foi escrita no local.
Quem tiver tempo para desbravar a cidade pode desafiar-se a encontrar, no número 19 da Grazhdanskaya Ulitsa = rua, em russo, o prédio onde foi ambientado o lar do personagem Raskolnikov, do clássico Crime e Castigo.
Finalmente, no número 28 da Zagododny Prospect = avenida, em russo, está a casa do compositor Rimsky-Korsakov, também transformada em museu. Pertencendo ao museu do Estado do Teatro e da Música, tem no seu acervo manuscritos de composições, cartazes, mobiliário da época e uma grande coleção de instrumentos musicais.

O Museu Hermitage dá pistas da alma russa
Uma vida inteira é pouco para conhecer todo o acervo do Hermitage, estimado em mais de 3 milhões de peças. Um entusiasta do Hermitage calculou que 9 anos seria o tempo estimado para apenas passar os olhos nas 1.500 obras dispostas em suas 1.057 salas.
Originalmente o Hermitage foi construído para ser o palácio de inverno das dinastias posteriores à Catarina, a Grande, idealizadora do projeto. Foi também a czarina, a responsável pelo início da coleção artística que hoje é considerada uma das mais completas do mundo. Arte egípcia, bizantina, indiana, islâmica, chinesa, japonesa, tailandesa, caucasiana, da Mongólia e do Tibet. Joalheria oriental, ocidental, numismática, arte pré-histórica, porcelana, antiguidades.
A qualidade e quantidade de obras da renascença é excepcional, composta, entre outros, por duas telas de Leonardo da Vinci e uma escultura – Menino Agachado – de Michelangelo, além de trabalhos de Rafael e Ticiano. Van Dykes, Rembrants e Rubens, El Greco, Velasquez, Van Gogh, Delacroix, Ingres e outros gênios das artes estão presentes. A ala destinada aos pintores impresssionistas é imperdível, com trabalhos de Renoir, Matisse, Monet, Cézanne e Gauguin, entre outros.
Por mais implausível que possa parecer, a decoração do palácio, um retrato da época de ouro dos czares, consegue ser tão ou mais impressionante que os trabalhos ali expostos. O prédio, em si, é todo uma gigantesca obra de arte, a começar pela escadaria jordaniana, que recebe o visitante na entrada principal. O piso dos salões, em marchetaria, utilizou cerca de 13 tipos diferentes de madeira de lei. E observe: os desenhos do piso são semelhantes aos dos lustres instalados bem acima deles. As paredes são cobertas com folhas de ouro + espelhos de cristal + pedras semipreciosas. O destaque fica para o Salão de Malaquita, revestido com a valiosa pedra verde. Para realçar a beleza dos ambientes foram usadas peças em jade, lápis-lazúli e âmbar.
As pinturas no teto, não são afrescos. O clima de São Petersburgo é muito úmido para a técnica. Em seu lugar foram instaladas gigantescas telas, com centenas de metros quadrados, esticadas nas alturas. Nada do que se escreva é suficiente para definir a riqueza do Hermitage.

O Palácio de Verão de Catarina, a Grande
Num país de superlativos, o palácio de verão de Catarina, a Grande, foi erguido para ser a casa de campo dos czares, menor e mais aconchegante que o portentoso palácio de inverno, hoje Museu Hermitage.
O prédio, totalmente destruído pelos alemães na Segunda Guerra, foi reerguido seguindo o projeto original. Nele também estão em exposição peças magníficas e obras de arte de valor incalculável. Sua atração principal é o belíssimo Salão Âmbar, com sua restauração finalizada em 2004. Saqueado pelos alemães, acreditava-se que os painéis – mosaicos feitos com âmbar, que cobriam todas as paredes do salão – haviam sido destruídos pelo exército alemão. Esse se tornou um dos grandes mistérios do mundo das artes. Entretanto, quando o salão foi novamente aberto à visitação, um outro boato passou a circular: teriam sido seriam aqueles, os painéis originais, entregues na surdina pelo governo alemão?..